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Blog de escrita nas horas extra dos dias

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Blog de escrita nas horas extra dos dias

# Da apologia do otimismo ingénuo

Em dias de contagem numérica de casos, de perdas de vidas humanas, de concelhos com elevado risco de transmissibilidade, penso de que modo é que as crianças e os jovens podem ser simplesmente isso: crianças e jovens.

Esta semana ,na escola onde dou aulas, as crianças sem professores brincavam com guarda-chuvas abertos ao contrário e saltavam alegres , de máscara posta, nas poças de água que a tempestade Bárbara deixara pelo caminho. Os meus alunos adolescentes, ao verem aqueles saltos ingénuos, estavam indignados e preocupados com aquelas crianças, dizendo que não deviam fazer aquilo, que era perigoso, perigoso brincar.

Quando falam nos elevados índices de transmissibilidade após a abertura das escolas e do trabalho das gentes, só posso defender os alunos e os meus colegas professores. Num dia com , por exemplo, seis tempos letivos, as crianças/jovens desinfetam as mãos dezasseis vezes por dia, no mínimo, e andam de máscara e estão de máscara nas aulas.

Num momento tão importante das suas vidas andam "mascarados" por culpa de uma pandemia .

Sir David Attenboroug afirmou no seu magnífico documentário "Uma vida no nosso planeta" ( 2020) - " precisamos de sabedoria".

Talvez precisemos de um otimismo ingénuo, tal como Erling Kagge escreveu no seu Filosofia para Exploradores Polares, Quetzal, Outubro de 2020: " O otimismo ingénuo é algo que, aparentemente, de modo inato, todas as crianças possuem. Na mente de uma criança todo o mundo está por explorar: o mundo está a mudar, nós também mudamos. Acho que elas têm razão. Não há uma linha de meta. " ( Tradutor Miguel de Castro Henriques).

aos meus filhos, Manel e David

aos meus alunos

@mmalheiro

 

 

publicado às 17:22

# dias de flecha e pandemia

Lisboa , 2020

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Lisboa, foto Joshua Benoliel  ( todos os direitos reservados a herdeiros de Joshua Benoliel)

26 de agosto

cerca de 6 meses desde que o pesadelo "Covid 19" invadiu o mundo.

em final de janeiro, início de fevereiro, alguém nos disse que "aquilo do Covid " estava muito longe - lá para a "Conchichina" e um humorista dizia que éramos tão bons que isto nunca chegaria cá.

foi isso que inicialmente disse aos meus alunos quando um colega teve de ir de quarentena para casa por ser "secundário".

tivemos de aprender toda a terminologia epidemiológica- secundário, terciário, primário, teste PCR , teste Covid,  teste serológico, imunidade,infetado, surto, testagem, média semanal, incidência diária e semanal do Covid 19, quarentena, isolamento voluntário, isolamento profilático, teletrabalho,de saber ler o site Word Meter Covid, de acompanhar os comentários dos jornais, de ler os artigos dos matemáticos, dos investigadores, dos epidemiologistas,de ler artigos / papers de Oxford, da Universidade do Porto, dos investigadores da Gulbenkian.

tivemos de acompanhar a contagem diária - infelizmente- dos falecidos por Covid 19, internados em cuidados intensivos, recuperados, sob o olhar pesado , embora adornado em écharpes coloridas, da DGS e Ministério da Saúde.

tivemos de saber o que é o lay-off, o desemprego massivo, as filas de fome, o déficit, o financiamento europeu.

tivemos de nos proteger de um inimigo invisível com máscaras cirúrgicas, sociais tipo 2, tipo 3, para sair de casa para ir a espaços públicos e para trabalhar, com gel desinfectante.

tivemos de manter um distanciamento social , de usar luvas para tocar à vontade nos teclados do multibanco, nos teclados das balanças do supermercado, nos botões do elevador.

tudo isto por causa do "novo normal" a que a pandemia obriga.

na cidade onde vivo, Lisboa, os velhos não foram de férias. estão ali no jardim e andam, apesar do calor imenso, de máscara na rua. Ou estão à porta da farmácia, ou nos bancos do jardim, ou em casa. muitos estão sós nas suas casas, muito doentes,mesmo com filhos. as consultas são, em alguns centros de saúde à distância, por telefone, o que é claramente insuficiente. por isso, muitos vão a agonizar para as urgências, com doenças não covid 19, mas que são doenças graves. um familiar meu, profissional de saúde, diz-me que a ordem da teleconsulta veio de cima. limitam-se a cumprir ordens.

leio um resumo num jornal diário do que se passou em Reguengos de Monsaraz. é chocante o que aconteceu- tratados como animais- os utentes daquele lar, abandonados totalmente à sua sorte e a funcionária que alertou e que acabou por morrer também.em mais lares por todo o país faleceram mais pessoas, pessoas que contribuiram para a construção de um país.

este país não é para velhos mas tem de ser, pois se fossem familiares de políticos, talvez percebessem como todos os cuidados têm de ser redobrados quer nos lares , quer nas casas de cada um.

entretanto, leio Matilde Campilho no seu Flecha, 1ª ediçãoJulho de 2020 :

" Um grupo de formigas faz o percurso encarreirado entre o musgo e o buraco. Cada uma delas leva alguma coisa às costas: um pedaço de casca de árvore, uma pata de besouro, um resto de palha, uma outra formiga já cansada, um grão de terra, uma lasca de concha. Um rapazinho, de cócoras, observa o movimento daqueles bichos pretos e analisa- à vez- cada vestígio de vida que se move à boleia de outra vida." p. 104

( todos os direitos reservados a Matilde Campilho)

a todos os pereceram nesta pandemia

a todos os mais velhos 

@mmalheiro

 

 

publicado às 22:30

# Portugal, futebol e covid-19

Portugal, junho de 2020.

Há poucos dias , o Governo anunciou, num claro ato "teatral"- quase pensei que Sócrates tinha regressado- a salvação da economia do país. Pensei estar claramente a alucinar.

Como uma peça de teatro anunciou-se que a salvação passa pelo futebol, com a final da Champions em Lisboa.

Ao mesmo tempo , o número de infetados em todo o país aumenta, quer seja pelo desconfinamento, quer seja pela exposição maior ao contágio, quer seja pelo facto de haver festas ilegais e claras transgressões à saúde pública.

Esta semana duas notícias que são tristemente reveladoras do estado do país marcaram-me. 

Uma foi a do imigrante indiano que morreu de acidente em Beja -atravessou-se um animal à frente do carro- e foi levado em braços pelo amigo que conduzia o carro, que não fala português, e por outros dois amigos, para o hospital. Trabalhavam todos na agricultura no Alentejo, como a maior parte dos imigrantes que chega a Portugal.

Não há monda portuguesa nos campos, agora, mas mondas com assalariados mal pagos, que pouco ou nada falam português, que pouco ou nada sabem das leis do trabalho que os protegem.

Outra notícia foi a do médico que faleceu no início da noite de 4ª feira no Hospital de S.José. Esteve ventilado nos cuidados intensivos do hospital, muito mal, durante 45 dias, por absoluta vontade de todos. Adoeceu com Covid-19 em serviço e morreu entre os seus pares.

Neste momento em que se anuncia futebol e festa ,para esconder um grave problema de saúde pública, quantos professores das escolas públicas e privadas foram testados? Quantos médicos e enfermeiros foram testados por todo o país?

Neste site Ourworldindata estão os dados mais fidedignos, reais, da comunidade científica internacional. 

O prémio não pode ser futebol, Sr.P. Ministro, o prémio tem de ser organização e segurança na saúde pública para todos. 

@mmalheiro

publicado às 18:57

# Dos dias futuristas

Ontem, Lisboa, 2020. 102 anos após a gripe espanhola.

Não ia a um hospital há mais de três meses, desde que começou a pandemia. 

Cá fora , junto à porta das urgências, devidamente distanciados, vários acompanhantes de doentes, eu incluida, todos de máscaras, numa normalização estranha. 

Entro na 2ªporta para perguntar pela minha familiar . Questiono a funcionária se posso ficar naquela sala . Diz-me bem alto- " é melhor não , aqui ficam os suspeitos de Covid-19". Ui, vou já sair , respondo.

Junto a esta porta ,quando se sai, há um sinal com uma seta enorme ( Covid Positivo). Essa entrada do Covid Positivo tem um ar decadente e funesto. Muito funesto.

Ambulâncias entram e saem. Numa os médicos estão todos equipados com os fatos brancos, viseira e máscara. Numa maca uma senhora de idade.

No meio disto tudo, vagabundos, pessoas meias ébrias, estrangeiros sem máscara - que dizem bem alto - isto é um atalho e riem-se, passa uma ambulância que diz " transporte de doentes não urgentes". Quando vejo os condutores dessa ambulância tenho consciência da gravidade de tudo isto. Estão equipados de amarelo , de óculos e viseira, não parecem humanos, parecem saídos de um qualquer filme de ficção científica. Fazem a curva à minha direita com enorme destreza, a mesma com que encaram , certamente estes dias futuristas.

Retiro a minha familiar da urgência, é doente de alto risco e está numa sala de espera, desesperando há horas por um atendimento aparentemente seguro. 

Segurança é realmente a palavra-chave neste momento.

@mmalheiro

 

publicado às 10:14

# Da apologia de um ensino de proximidade

iniciou-se na semana passada, oficialmente, por força das dramáticas circunstâncias em que vivemos ( a pandemia do Covid-19) , um ensino à distância (EAD).

se em alguns casos há computadores para cada filho, pais a partilharem esses computadores pois estão em teletrabalho, na maior parte dos casos não há nem computadores, nem internet, nem telemóvel.

há alunos cujas famílias têm de ir buscar o almoço à escola porque pertencem ao escalão A, ou seja, os pais recebem menos do que o ordenado mínimo nacional.

muitos desses alunos não têm computador, nem tablet, nem telemóvel.

quando dizem aos diretores de turma- "ah o meu pai não recebeu o email, o email não funciona", o professor percebe logo que, no meio de tudo aquilo há uma imensa vergonha, a vergonha da pobreza, do desemprego, da escassez de meios. vergonha que vai aumentar com a crise económica que se aproxima.

há 13 anos atrás o programa E-escolas trouxe ,talvez de forma megalómana, um computador para cada aluno, um magalhães ou um portátil antigo reciclado. nenhum estudante estava como hoje a dizer "tenho os trabalhos feitos mas não os posso enviar, não tenho Internet".

é realmente de aplaudir o esforço de professores, diretores de turma, diretores de escola, presidentes da câmara, na gestão deste ensino à distância.

hoje um aluno sem computador, sem telemóvel, teve direito a um tablet emprestado da escola.

a diretora de turma quase chorava ao telefone a contar isto. "vai fazer os trabalhos todos, dizia-me."

à beira da reforma esta professora leciona desde o 25 de abril de 1974, talvez por isso tenha este espírito de solidariedade e partilha com os seus alunos.

eu só pensava que há aqui algo de muito errado. planifique-se o ensino à distância, a pseudo-telescola mas pense-se nos alunos nos seus contextos sociais.

se houver uma segunda "onda" de covid-19 no outono como vão aprender estes miúdos , com os pais no desemprego, no lay-off, a buscarem refeições à escola, com rendas em atraso, enfim, numa incrível precariedade económica?

portanto, hoje mais do que tudo há um ensino de proximidade, à distância de um telefonema mesmo dentro de um confinamento necessário.

à professora Dolores e a todos os professores 

@mmalheiro

 

publicado às 01:48

# Dias de pandemia- o olhar de Zizec

No momento em que editores e livreiros se confrontam com uma quebra nas vendas, há quem aposte e bem na versão digital de livros , muitas vezes em formato de download gratuito. Portanto, empresas do ramo livreiro e editorial estrangeiras colocaram à disposição dos "confinados" milhares de livros.

O Arquivo de Internet Mundial tem as suas portas abertas para muitas leituras, assim como várias bibliotecas que  disponibilizaram o seu acervo digital.

Hoje ao ler uma entrevista do filósofo Zlavoj Zizec soube que publicara há dias um ensaio sobre esta pandemia e que estava num momento incessante de escrita, em virtude deste contexto trágico em que nos encontramos. Preparava-me para comprar o seu ensaio na OR Books quando me deparei com a agradável surpresa de um dowload gratuito para os primeiros 10.000 leitores.

Portanto, Pandemic já está aberto e a ser lido com muita gratidão a estes editores.

As primeiras páginas aproximam-se da visão do filósofo português José Gil "A pandemia e o capitalismo numérico" lida hoje no jornal Público. Afirma Zizec (2020, p. 39) :

" (...) But maybe another and much more beneficent ideological virus will spread and hopefully infect us: the virus of thinking of an alternate society, a society that actualizes itself in the forms of global solidarity and cooperation" . 

Lendo, a par deste magnífico ensaio , um livro de organização pessoal da japonesa Marie Kondo, penso que, de facto, há um excesso de bens materiais nas sociedades ditas "capitalistas" por oposição áqueles que lutam por comida numa rua ( imagens ontem do Quénia na TV).

Se agora que tudo está parado , confinado em casa, os níveis de poluição diminuiram drasticamente, sendo isto visível do espaço, quando este confinamento cessar voltaremos a uma sociedade poluída a todos os níveis?

Sendo este um tempo de aparente pausa, refletamos sobre o que pensadores e cientistas nos mostram , para além das curvas e dos planaltos que os matemáticos analisam em grupo e discutem entre si. Cada número na estatística dos óbitos faz falta a alguém.

Para além da estatística tem de haver esperança e reflexão sobre o futuro próximo que nos espera e que afeta todos os nossos familiares, amigos, colegas, conhecidos, vizinhos, etc, etc, etc.

Pode adquirir aqui o ensaio - Pandemic (Or Books), 2020- all rights reserved to Zlavoj Zizec

@mmalheiro

 

 

 

 

publicado às 22:53

# da viagem na fase de mitigação

dias antes de entrarmos no estado de emergência, quando acrescentei um novo número à minha idade, recebi uma prenda que namorei numa qualquer livraria, um livro de viagem mas não uma viagem qualquer, a viagem recorrente de um homem da cultura a um país que adorava visitar e que agora sucumbe a este maldito vírus: Itália.

rapidamente acompanho com prazer a escrita de António Mega Ferreira:

" O quadro de Carpaccio reflete tudo isto, ainda que indiretamente, pelo menos aos meus olhos. A imagem é de uma nitidez e intenção claramente naturalista e mostra-nos , realmente, como a cidade se acha absolutamente consolidada, voluntariamente afastada desses grandes debates urbanísticos e políticos próprios do espírito tardo-medieval, primeiro, e renascentista, depois: Veneza, a Veneza de Carpaccio, possivelmente a Veneza eterna, é um organismo espetacular, autorefletor, cujas imagens reproduzem a sua historicidade, alheia aos grandes gestos inovadores e avessa aos "estrangeirismos" que lhe perturbem o equilíbrio tão prodigiosamente representado no quadro".

António Mega Ferreira in Itália,Práticas de Viagem, Sextante Editora, reimpressão de janeiro de 2020, pp.36-37

( Todos os direitos reservados a António Mega Ferreira)

para escutar nesta fase de mitigação ( all rights reserved to Simon and Garfunkel)

[ O que é importante é preencher o tempo, aproveitar para fazer coisas que habitualmente não temos tempo para fazer, como ler livros.] António Coimbra de Matos, 25/03/2020

@mmalheiro

publicado às 00:26

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