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horas extra

Blog de escrita nas horas extra dos dias

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Blog de escrita nas horas extra dos dias

# Piso 3

Quase todos os dias percorro aquele corredor daquele edifício hospitalar antigo, tal como os meus pais percorriam nos anos 80 para ver o familiar mais doente da família, o meu avô.

O caminho dos patos no jardim, da estátua do doutor elevado a santo milagreiro, em frente à Faculdade de Medicina, conheço-o desde criança. Conheço todos os cafés , o jardim do Torel onde há muitos anos se concorria para dar aulas, onde havia um centro de formação de jornalistas, onde os meus pais namoravam há muitos anos.

Acumulam-se velas e velas e velas de agradecimento e mais à frente há um quiosque de flores. Morgue, flores, Hospital e Faculdade coexistem há decadas pré-Covid19. Entro no Hospital de máscara colorida que é sempre mudada no piso 3- tem de ser a do serviço, da visita, respondem-me. Desinfeto as mãos e dão-me um avental de plástico.

Cama 15, sempre em frente. 

Como que em herança, ocupas agora essa cama que foi outrora de outros e, quem sabe, numa das vezes do teu pai que conheceu todos os hospitais de Lisboa, alguns deles  já nem existem.

O tratamento da radioterapia de há 12 anos trouxe-te uma nova doença e muitas dores. Pergunto-me que justiça há nisto, na sobrevivência a uma maleita tremenda com tanto sofrimento. Por isso, passo pelo médico santo rapidamente. Já não posso ligar ao pai para falar do Benfica, da política, dos netos, da vida, de ti.

A Covid19 trouxe um vírus estranho e doenças derivadas desse vírus mas a maior pandemia de todas chama-se Cancro. Um gene tramado lixa a vida toda a todos, de todas as idades, sexos, profissões, estatuto social. O meu voto para este e todos os anos seguintes é que se descubra uma cura, uma verdadeira cura para este flagelo.

Piso 3- para aceder a este piso clique no botão 1.

Em passo rápido surges tu, habituado a estes corredores , a estes claustros antigos, ao "Covidário" ao lado do café, e tal como há muitos anos os meus pais, caminhamos a par para a visita.

@mmalheiro

à minha mãe.

ao ZT

publicado às 21:54

# Do prazer de uma boa bica tirada à pressão, em tempo de pandemia

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via Buzzfeed.com in Pinterest

Li ontem que provavelmente serão necessários 7 anos para que o Mundo volte à "normalidade", pré-Covid19, dado que só nesse momento é que se prevê que a população esteja toda vacinada.

Habituei-me a ler revistas científicas especializadas, como a Lancet , e a ler os últimos papers de investigadores a nível mundial sobre este "filme de ficção científica" em que vivemos há quase um ano. Ao mesmo tempo, grassam dados e dados económicos sobre as consequências desta imprevista pandemia que nos conduzirá a uma recessão económica agora.

Em Lisboa são muitas as tabuletas de "trespasse", "vende-se loja" ou "fechado por tempo indeterminado" num silêncio que habita agora as ruas, constrastando com o frenesim de 2019 de tuc-tuc, autocarros turísticos, e milhares de turistas pela cidade. Uma economia em superavit em final de 2019.

Leio hoje que há 300 000 pessoas desempregadas em Portugal, 22000 não têm direito sequer ao subsídio social de desemprego. Em paralelo a previsão de 1000 pessoas internadas para a semana por causa deste "bicho maldito".

Em meu redor sei de casos de colegas  e amigos com familiares infetados, isolados em casa, com todo o equipamento covid e de oxímetro em riste, em contagem diária do oxigénio para que não necessitem de ser hospitalizados.

Um batimento cardíaco mais fraco levou uma amiga minha a percorrer hospitais privados que se recusaram a receber a sua familiar infetada por Covid19. Acabou por ir parar às urgências do maior hospital de Lisboa. A cadeira de rodas onde era transportada esta familiar nem sequer conseguia passar para o toldo à porta do hospital pois nem sequer tem uma rampa. Regressaram todos a casa. "É o que há . Se não quer, não quer", foi esta a resposta da funcionária para esta minha amiga perante a sua indignação face às condições de entrada de uma idosa infetada com Covid19.

Esta frase tão laxista é representativa do país em que vivemos, no qual houve dinheiro para Bancos e agora não tem ou não gasta em camas de hospital, médicos e enfermeiros, em ventiladores, em boas condições hospitalares para cada português que desconta ou descontou para a Segurança Social.

Face a este estado da Res Publica só peço que reabram os cafés, eu e muitos levaremos em take-away, e disfrutaremos de um pequeno prazer, trivial, é certo, nestes dias cinzentos de pandemia, de uma boa bica tirada à pressão, cheia e sem princípio.

@marinamalheiro

à Sara

à minha mãe 

 

publicado às 11:57

# dias de flecha e pandemia

Lisboa , 2020

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Lisboa, foto Joshua Benoliel  ( todos os direitos reservados a herdeiros de Joshua Benoliel)

26 de agosto

cerca de 6 meses desde que o pesadelo "Covid 19" invadiu o mundo.

em final de janeiro, início de fevereiro, alguém nos disse que "aquilo do Covid " estava muito longe - lá para a "Conchichina" e um humorista dizia que éramos tão bons que isto nunca chegaria cá.

foi isso que inicialmente disse aos meus alunos quando um colega teve de ir de quarentena para casa por ser "secundário".

tivemos de aprender toda a terminologia epidemiológica- secundário, terciário, primário, teste PCR , teste Covid,  teste serológico, imunidade,infetado, surto, testagem, média semanal, incidência diária e semanal do Covid 19, quarentena, isolamento voluntário, isolamento profilático, teletrabalho,de saber ler o site Word Meter Covid, de acompanhar os comentários dos jornais, de ler os artigos dos matemáticos, dos investigadores, dos epidemiologistas,de ler artigos / papers de Oxford, da Universidade do Porto, dos investigadores da Gulbenkian.

tivemos de acompanhar a contagem diária - infelizmente- dos falecidos por Covid 19, internados em cuidados intensivos, recuperados, sob o olhar pesado , embora adornado em écharpes coloridas, da DGS e Ministério da Saúde.

tivemos de saber o que é o lay-off, o desemprego massivo, as filas de fome, o déficit, o financiamento europeu.

tivemos de nos proteger de um inimigo invisível com máscaras cirúrgicas, sociais tipo 2, tipo 3, para sair de casa para ir a espaços públicos e para trabalhar, com gel desinfectante.

tivemos de manter um distanciamento social , de usar luvas para tocar à vontade nos teclados do multibanco, nos teclados das balanças do supermercado, nos botões do elevador.

tudo isto por causa do "novo normal" a que a pandemia obriga.

na cidade onde vivo, Lisboa, os velhos não foram de férias. estão ali no jardim e andam, apesar do calor imenso, de máscara na rua. Ou estão à porta da farmácia, ou nos bancos do jardim, ou em casa. muitos estão sós nas suas casas, muito doentes,mesmo com filhos. as consultas são, em alguns centros de saúde à distância, por telefone, o que é claramente insuficiente. por isso, muitos vão a agonizar para as urgências, com doenças não covid 19, mas que são doenças graves. um familiar meu, profissional de saúde, diz-me que a ordem da teleconsulta veio de cima. limitam-se a cumprir ordens.

leio um resumo num jornal diário do que se passou em Reguengos de Monsaraz. é chocante o que aconteceu- tratados como animais- os utentes daquele lar, abandonados totalmente à sua sorte e a funcionária que alertou e que acabou por morrer também.em mais lares por todo o país faleceram mais pessoas, pessoas que contribuiram para a construção de um país.

este país não é para velhos mas tem de ser, pois se fossem familiares de políticos, talvez percebessem como todos os cuidados têm de ser redobrados quer nos lares , quer nas casas de cada um.

entretanto, leio Matilde Campilho no seu Flecha, 1ª ediçãoJulho de 2020 :

" Um grupo de formigas faz o percurso encarreirado entre o musgo e o buraco. Cada uma delas leva alguma coisa às costas: um pedaço de casca de árvore, uma pata de besouro, um resto de palha, uma outra formiga já cansada, um grão de terra, uma lasca de concha. Um rapazinho, de cócoras, observa o movimento daqueles bichos pretos e analisa- à vez- cada vestígio de vida que se move à boleia de outra vida." p. 104

( todos os direitos reservados a Matilde Campilho)

a todos os pereceram nesta pandemia

a todos os mais velhos 

@mmalheiro

 

 

publicado às 22:30

...

Final de Julho, Lisboa. 

Ao lado dos correios há uma fila imensa. Há pessoas, jovens na sua maioria, com sacos cheios à porta da loja. Chamam me a atenção, dizendo me que a loja tem várias bicicletas e outros produtos. Ali não há pão mas vendas para se ter pão na mesa.

Mais acima um restaurante tem um aviso na porta "fechado por tempo indeterminado". 

Filas da fome em Lisboa em paralelo com drinks de fim da tarde e shares de televisão. Fogueiras de vaidades.

@mmalheiro

 

publicado às 11:26

# Dos dias futuristas

Ontem, Lisboa, 2020. 102 anos após a gripe espanhola.

Não ia a um hospital há mais de três meses, desde que começou a pandemia. 

Cá fora , junto à porta das urgências, devidamente distanciados, vários acompanhantes de doentes, eu incluida, todos de máscaras, numa normalização estranha. 

Entro na 2ªporta para perguntar pela minha familiar . Questiono a funcionária se posso ficar naquela sala . Diz-me bem alto- " é melhor não , aqui ficam os suspeitos de Covid-19". Ui, vou já sair , respondo.

Junto a esta porta ,quando se sai, há um sinal com uma seta enorme ( Covid Positivo). Essa entrada do Covid Positivo tem um ar decadente e funesto. Muito funesto.

Ambulâncias entram e saem. Numa os médicos estão todos equipados com os fatos brancos, viseira e máscara. Numa maca uma senhora de idade.

No meio disto tudo, vagabundos, pessoas meias ébrias, estrangeiros sem máscara - que dizem bem alto - isto é um atalho e riem-se, passa uma ambulância que diz " transporte de doentes não urgentes". Quando vejo os condutores dessa ambulância tenho consciência da gravidade de tudo isto. Estão equipados de amarelo , de óculos e viseira, não parecem humanos, parecem saídos de um qualquer filme de ficção científica. Fazem a curva à minha direita com enorme destreza, a mesma com que encaram , certamente estes dias futuristas.

Retiro a minha familiar da urgência, é doente de alto risco e está numa sala de espera, desesperando há horas por um atendimento aparentemente seguro. 

Segurança é realmente a palavra-chave neste momento.

@mmalheiro

 

publicado às 10:14

# Da contabilidade da violência nas escolas

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Foto in Pinterest

No Blog "Comregras" conhecido na comunidade docente, a par do Blog de Arlindo, há agora, infelizmente, um contador de casos de violência, 24 até ontem. 

Ao contrário do caso do professor de Informática, que numa escola das avenidas novas de Lisboa, perdeu a cabeça numa turma de classe média alta, mas  sem regras, foi detido, suspenso de funções e repreendido publicamente pelo Ministério da Educação, nestes 24 casos, não houve qualquer reação por parte de nenhum membro do Governo.

Ontem uma professora grávida foi agredida de forma vil , em plena sala de aula , numa escola de primeiro ciclo, em Lisboa, pela mãe de um aluno.

É abjeto, inadmissível, o silêncio perante um caso gravíssimo. Onde está a detenção imediata desta mãe? Quando será presente a um juiz? Quando ficará de pulseira eletrónica ou em preventiva? Quando haverá mão firme da Justiça e por parte do Ministro da Educação? 

O Sr. Presidente da República já apurou factos , deu apoio, como noutras situações?

Recentemente, veio a público a notícia da morte de um professor após a agressão de um aluno em plena sala de aula. Foi em Inglaterra. 

Quantos professores desistirão de dar aulas por casos destes? 

A minha homenagem sentida a todos os professores e funcionários alvo de agressão em escolas em Portugal. O meu sincero desejo para que a minha colega ,que ontem foi agredida barbaramente, esteja bem , assim como aquele que transporta no ventre.

@mmalheiro

 

 

publicado às 19:20

# Do Franjinhas ( feat. Adriano Correia de Oliveira)

Este mês de janeiro tem sido estranho. Muita gente a partir e de todos os quadrantes.

Talvez haja quem nos toque mais porque foi marcante para os nossos e sem o sabermos para nós também.

Os arquitetos dizem que podem  existir não-lugares. Há uns anos, por motivos de trabalho, comprei um clássico " A cidade como arquitetura" de Nuno Portas (1969), um livro essencial para se compreender ou tentar - sobre  as cidades, os territórios e espaços.

Ora, os espaços e neste caso, Lisboa,  "somos nós e os nossos". O Franjinhas, a Igreja do Sagrado Coração de Jesus, o bairro premiado do Restelo,  outros edifícios foram/ são importantes para os meus. Tempos de vida.

a N.Teotónio Pereira.

https://www.youtube.com/watch?v=a-XMuSaXtBc Adriano Correia de Oliveira

@mmalheiro

 

 

publicado às 21:07

# Das cidades invisíveis ( feat.Rolling Stones)

Hoje um conferencista falou ,em Lisboa, sobre as cidades invisíveis que existem naqueles que são designados institucionalmente como territórios prioritários.

Numa visão excelente do conferencista sobre aqueles que são invisíveis perante o Sistema, pensei que cada um de nós tem as suas cidades invisíveis com as suas ruelas, os seus caminhos escondidos e as suas avenidas largas, visíveis para todos, livres.

No essencial, cada um constrói a sua cidade como a sente ou vai sentindo ao longo da vida. Poderá, nalgumas ocasiões encontrar pedras enormes pelo caminho ou veredas floridas. Poderá ter dado frutos maravilhosos. Cada resolve à sua maneira os desafios com que se depara na estrada.

O essencial é saber-se onde se está, numa transversal feliz à Avenida da Liberdade, a escutar isto. e a dançar.

@mmalheiro

 

 

 

publicado às 19:53

# Contrariar as regras da sensatez

"nunca voltes ao lugar onde foste feliz/ por muito que o coração diga/ não faças o que ele diz (...)

/não queiras reacender um nome já apagado

(...) nunca voltes ao lugar onde o arco-íris se pôs"

letra de Margarida Pinto Correia ( todos os direitos reservados) desta música magnífica

como diz o meu filho "guarda-se a memória cá dentro, feliz."

em dias de revisitação na Lisboa dos avós e dos pais

@marinamalheiro

 

publicado às 19:33

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