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Blog de escrita nas horas extra dos dias

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#Da diminuição da empatia pelos outros

Aqui há meses houve quem me dissesse, um familiar de um familiar, médico por sinal, quando lhe relatei o caso de um tio de uma amiga, ex piloto da força aérea, que tinha morrido de Covid19 : "morreu porque tinha de morrer". Nunca mais encarei este familiar da mesma forma. De algum modo, ficou tudo a nu: a sua frieza, displiciência para com os outros e a sua falta de empatia.

Há cerca de 12 anos , um oncologista, sentado no seu gabinete de um hospital da grande Lisboa, olhou para a minha familiar mais direta, disse-lhe a pior notícia que se pode dar a alguém e depois fechou o dossier e disse "enfim, vou de férias",com um grande sorriso.Um dos meus irmãos que a acompanhava ficou de boca aberta.

Destaca-se, com saudade, um médico único, o Dr. Gouveia, também ele doente oncológico, que dava consultas com as marcas da agulha da quimio nos braços, numa associação de médicos solidária : "marcadores, tem sempre de fazer marcadores, há um risco familiar", dizia-me sempre. Apesar da sua doença e da sua contenção havia uma natural ternura para com a sua doente, como se fossem pares do mesmo infortúnio.

Muitos médicos e profissionais de saúde teriam a aprender muito com o Dr. Gouveia ,que infelizmente partiu há uns 3 anos, mas deixou a sua marca em todos aqueles com quem privou e isso é de facto o mais importante nesta época de pandemia em que há um crescendo de individualismo e frieza face às dores dos outros.

O que desejo a quem lê este blog é que encontre "Drs.Gouveia", médicos com empatia e que não vejam as pessoas de idade como empecilhos para uma imunidade de grupo na pandemia do Covid19.

@mmalheiro

ao Dr.Gouveia, in memoriam

publicado às 16:38

# Este país não é para velhos II

Hoje um profissional de saúde disse-me com uma frieza desconcertante "morreu, já tinha 80 anos, tinha de morrer", depois de eu relatar o caso de um familiar de alguém que morreu de Covid19, após ter sido infetado pela auxiliar de saúde que ia a sua casa.

Pergunto aos profissionais de saúde - médicos e enfermeiros - se fosse o caso de um familiar seu se seriam tão frios assim, de uma frieza sueca. 

Será tudo descartável, velhos a mais, velhos doentes, pessoas que contribuíram para o país?

Há semanas li algures que alguém fazia uma tese de mestrado sobre a comunicação amável entre médico e paciente, pois muitas vezes a palavra soa a "morgue hospitalar" :  "olhe, tem um cancro e idade ou não sabe?".  Por contraste há quem meça as palavras, talvez por ter outra cultura, de outro país : "olhe, se a senhora fosse saudável, o seu organismo obedeceria,  tal não é o caso."

Conheço um caso em que uma família não se pôde despedir da sua ente querida, doente terminal e, por força das leis Covid19 nem sequer viu essa ente querida em descanso eterno. 

Termino dizendo que este país foi feito por velhos de 70/80 anos que lutaram em tempos idos para que houvesse democracia, SNS, educação e saúde para todos, emprego, habitação, condições de vida, igualdade, liberdade, justiça. 

Portanto, quando parte um velho, não é só uma biblioteca inteira é uma parte de um país que se chama Portugal.

Aos meus pais. 

@mmalheiro

 

publicado às 20:35

# dias de flecha e pandemia

Lisboa , 2020

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Lisboa, foto Joshua Benoliel  ( todos os direitos reservados a herdeiros de Joshua Benoliel)

26 de agosto

cerca de 6 meses desde que o pesadelo "Covid 19" invadiu o mundo.

em final de janeiro, início de fevereiro, alguém nos disse que "aquilo do Covid " estava muito longe - lá para a "Conchichina" e um humorista dizia que éramos tão bons que isto nunca chegaria cá.

foi isso que inicialmente disse aos meus alunos quando um colega teve de ir de quarentena para casa por ser "secundário".

tivemos de aprender toda a terminologia epidemiológica- secundário, terciário, primário, teste PCR , teste Covid,  teste serológico, imunidade,infetado, surto, testagem, média semanal, incidência diária e semanal do Covid 19, quarentena, isolamento voluntário, isolamento profilático, teletrabalho,de saber ler o site Word Meter Covid, de acompanhar os comentários dos jornais, de ler os artigos dos matemáticos, dos investigadores, dos epidemiologistas,de ler artigos / papers de Oxford, da Universidade do Porto, dos investigadores da Gulbenkian.

tivemos de acompanhar a contagem diária - infelizmente- dos falecidos por Covid 19, internados em cuidados intensivos, recuperados, sob o olhar pesado , embora adornado em écharpes coloridas, da DGS e Ministério da Saúde.

tivemos de saber o que é o lay-off, o desemprego massivo, as filas de fome, o déficit, o financiamento europeu.

tivemos de nos proteger de um inimigo invisível com máscaras cirúrgicas, sociais tipo 2, tipo 3, para sair de casa para ir a espaços públicos e para trabalhar, com gel desinfectante.

tivemos de manter um distanciamento social , de usar luvas para tocar à vontade nos teclados do multibanco, nos teclados das balanças do supermercado, nos botões do elevador.

tudo isto por causa do "novo normal" a que a pandemia obriga.

na cidade onde vivo, Lisboa, os velhos não foram de férias. estão ali no jardim e andam, apesar do calor imenso, de máscara na rua. Ou estão à porta da farmácia, ou nos bancos do jardim, ou em casa. muitos estão sós nas suas casas, muito doentes,mesmo com filhos. as consultas são, em alguns centros de saúde à distância, por telefone, o que é claramente insuficiente. por isso, muitos vão a agonizar para as urgências, com doenças não covid 19, mas que são doenças graves. um familiar meu, profissional de saúde, diz-me que a ordem da teleconsulta veio de cima. limitam-se a cumprir ordens.

leio um resumo num jornal diário do que se passou em Reguengos de Monsaraz. é chocante o que aconteceu- tratados como animais- os utentes daquele lar, abandonados totalmente à sua sorte e a funcionária que alertou e que acabou por morrer também.em mais lares por todo o país faleceram mais pessoas, pessoas que contribuiram para a construção de um país.

este país não é para velhos mas tem de ser, pois se fossem familiares de políticos, talvez percebessem como todos os cuidados têm de ser redobrados quer nos lares , quer nas casas de cada um.

entretanto, leio Matilde Campilho no seu Flecha, 1ª ediçãoJulho de 2020 :

" Um grupo de formigas faz o percurso encarreirado entre o musgo e o buraco. Cada uma delas leva alguma coisa às costas: um pedaço de casca de árvore, uma pata de besouro, um resto de palha, uma outra formiga já cansada, um grão de terra, uma lasca de concha. Um rapazinho, de cócoras, observa o movimento daqueles bichos pretos e analisa- à vez- cada vestígio de vida que se move à boleia de outra vida." p. 104

( todos os direitos reservados a Matilde Campilho)

a todos os pereceram nesta pandemia

a todos os mais velhos 

@mmalheiro

 

 

publicado às 22:30

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